MENSAGEM À NAÇÃO DE SUA EXCELÊNCIA
DR. JOSÉ MÁRIO VAZ
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Enquanto Presidente da República, Chefe do Estado, garante da Constituição e do normal funcionamento das Instituições da República, dirijo-me a vós, mais uma vez, num momento particular da nossa caminhada colectiva para a consolidação do Estado de Direito e das nossas instituições democráticas, com uma única preocupação: garantir o melhor para a Guiné-Bissau e o nosso povo.
Depois de ter falado à Nação e de ter vindo interpretar o sentimento da Nação, reuni o Conselho do Estado, órgão constitucional de consulta do Presidente da República, a fim de auscultá-lo sobre a actual crise política e o seu reflexo no normal funcionamento das Instituições da República.
Também tive oportunidade, na passada terça-feira, de receber em audiências separadas, os líderes dos partidos políticos com assento parlamentar, com igual propósito de os ouvir sobre a mesma matéria.
A estas auscultações associei os representantes permanentes dos nossos parceiros internacionais, nomeadamente, Nações Unidas, União Europeia, União Africana, CEDEAO e CPLP, no quadro dos esforços colectivos de busca de uma solução política para a crise despoletada na Assembleia Nacional Popular.
Na mensagem que dirigi à Nação no passado dia 19 de Abril, manifestei que entendia ser “(...) a vez dos Digníssimos Deputados da Nação, porquanto legítimos representantes dos interesses do Povo na Assembleia Nacional Popular, darem mostras de maturidade política que lhes é reconhecida e oferecerem ao povo que representam uma solução para esta inusitada crise política (...)”.
Infelizmente, não obstante todos os esforços de diálogo e mediação nacional realizados pelas organizações da sociedade civil, da assistência da comunidade internacional residente, do empenho pessoal do Enviado Especial dos Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO, da iniciativa do Presidente da Assembleia Nacional Popular, não foi, mesmo assim, possível encontrar-se uma solução para esta crise política, com epicentro na ANP, mas cujas réplicas têm afectado negativamente o funcionamento das instituições da República, em geral, e do Governo, em particular.
Mulheres e Homens Guineenses,
Perante situações de grave crise política, como esta que vivemos hoje, para além da opção política no âmbito da minha magistratura de influência, a nossa Constituição da República confere ao Chefe de Estado dois instrumentos constitucionais com a virtualidade de corrigir e repor o seu normal e regular funcionamento, a saber:
§ Primeiro, encorajar o actual Primeiro-Ministro a encetar diligências no sentido de estabelecer compromissos e operar uma remodelação profunda do Governo, por forma a permitir que este tenha o apoio maioritário do Parlamento e garantir a estabilidade governativa até ao fim da legislatura (proposta essa apresentada na minha Mensagem do Fim do Ano e retomada no Projecto do Acordo Político de incidência Parlamentar para a Estabilidade Governativa);
§ Segundo, dissolver a Assembleia Nacional Popular, com a consequente convocação de eleições legislativas antecipadas;
§ Terceiro, demitir o Governo e iniciar um processo de audição às forças políticas representadas na Assembleia Nacional Popular, tendo em vista a nomeação de um novo Primeiro-Ministro capaz de formar um Governo que tenha o apoio maioritário no Parlamento.
Se a primeira opção era, já de si, remota, a mesma ficou inviabilizada perante o teor irresponsável e inadmissível do Comunicado do Conselho de Ministros, de 11 de Maio de 2016, na medida em que o Primeiro-Ministro e o Governo são politicamente responsáveis perante o Presidente da República.
Relativamente aos dois poderes discricionários, cabe ao Chefe do Estado assumir a responsabilidade de ponderar e decidir qual das soluções se afigura mais adequadas aos superiores interesses do nosso país e do nosso povo.
Ambas as medidas têm custos, pelo que terei que optar por aquela que considero constituir, no actual contexto, um “mal menor” e com menos prejuízos para o nosso já martirizado povo.
A dissolução da ANP e consequente convocação de eleições legislativas antecipadas deve ser ponderada tendo em conta, por um lado, as suas implicações financeiras e, por outro, a dimensão moral dessa opção.
Quanto ao primeiro aspecto, convém referir que o nosso país não dispõe de recursos financeiros próprios para custear novas eleições legislativas. Decorridos apenas dois anos depois da Comunidade Internacional nos ter pago, com o dinheiro dos seus contribuintes, a realização de eleições por todos reconhecidas como livres, justas e transparentes, não é dignificante voltarmos a estender a mão para a realização de mais um acto voluntário de soberania.
Por outro lado, e tendo em conta a fragilidade das nossas instituições, não é sensato sacudir o país com eleições no actual estado de crispação e forte clivagem social.
Mas, mesmo que estas razões não fossem suficientes e mesmo que tivéssemos dinheiro ou este nos fosse oferecido pela Comunidade Internacional, esse dinheiro, em nossa opinião, seria certamente mais merecido e melhor empregue na educação dos nossos filhos e na saúde e melhoria das condições de vida das nossas populações.
Mais, num país em que a maioria das crianças não frequenta a escola por falta de menos de 10 mil Francos CFA; num país em que ainda há famílias inteiras que se alimentam com menos de 10 mil Francos CFA por mês; num país em que mães e crianças morrem diariamente nos hospitais por falta de menos de 10 mil Francos CFA, é imoral pedir-se que sejam desviados mais de 10 milhões de Dólares dos sectores sociais como a saúde e educação para realização de eleições legislativas antecipadas unicamente para satisfazer caprichos democráticos; apenas porque não somos capazes de criar coesão e unidade interna nos partidos simplesmente porque somos incapazes de gerar consensos parlamentares; ou pura e simplesmente porque ambicionámos voltar a ter acesso aos privilégios associados à governação.
Finalmente, eleições legislativas antecipadas não são o meio idóneo para resolver problemas de disciplina, coesão ou unidade interna de partidos políticos.
Caros compatriotas,
Como Presidente de todos os guineenses, registamos com preocupação algumas movimentações de sectores bem delimitados da nossa sociedade político-civil, com o intuito de pôr em marcha uma agenda política de caos social, tendo como pano de fundo a promoção da alteração da ordem constitucional para justificar e provocar as ditas “eleições gerais” antecipadas.
Porque razão os promotores dessas iniciativas não encorajam os seus filhos e familiares próximos a participarem nelas?
Exortamos, por isso, a esses nossos irmãos, bem como a todos os guineenses em geral para manterem uma postura de serenidade democrática, muita contenção e máxima responsabilidade, abstendo-se assim da prática de quaisquer actos que possam pôr em causa a paz e a coesão nacional.
No exercício das funções de Presidente da República não tenho o direito de ter estados de alma, mas tenho, a obrigação de preservar a dignidade e integridade das instituições, pelo que, na justa medida, serão accionadas todas as medidas preventivas de actos susceptíveis de pôr em causa a autoridade do Estado e que sejam julgados necessários para garantir o respeito pela Constituição e assegurar o regular e normal funcionamento das Instituições da República.
Mulheres e Homens Guineenses,
É nossa profunda convicção que, sob o véu do aparente bloqueio do regular e normal funcionamento da Plenária da Assembleia Nacional Popular, encontra-se um problema congénito de fundo que o actual Governo não conseguiu superar: a carência de legitimidade política para entrar em plenitude de funções.
Um Governo há muito empossado, mas até então sem Programa nem Orçamento Geral do Estado aprovados pelo Parlamento, padece do vício da incapacidade política para gerar confiança e criar as melhores condições político-institucionais para a sua entrada em plenitude de funções. O actual Executivo encontra-se numa situação de caducidade objectiva da caução de legitimidade política que lhe foi conferida pelo prazo constitucional de 60 dias no acto da sua investidura em 13 de Outubro de 2015.
É constrangedor ver o Governo da Guiné-Bissau a falar em voz baixa nos fóruns internacionais porque não tem legitimidade plena. Não é mais sustentável permitir que o Executivo continue a contrair dívidas, realizar despesas e emitir títulos de tesouro sem que haja um Programa de Governo e a sua quantificação financeira aprovados pelo Parlamento. É intolerável que o Governo escolha, em função dos seus interesses circunstanciais, as decisões judiciais que lhe apeteça cumprir, instrumentalizando para tanto as forças de segurança.
Nem se diga que o problema não é o Governo, mas sim a Assembleia Nacional Popular. Não podemos confundir a causa real com a causa virtual ou aparente do problema institucional que vivemos.
O problema real é o Governo. Por isso é que em todos os cenários, de A a Z, todos os exercícios de busca de consenso para saída da crise que me foram apresentados incidem sobre o Governo. Não há nenhum cenário para a saída da crise que consista na divisão de Comissões Permanentes da ANP, Conselheiros do Presidente da República ou Assessores do Supremo Tribunal de Justiça.
Sejamos honestos. Hoje, o problema, ou melhor, a solução é a composição de um Governo que reflicta os sentimentos maioritários do povo representado no Parlamento e que lhe permita governar em condições de estabilidade.
Guineenses,
Vamos assumir, por hipótese, que fazemos eleições antecipadas. As mesmas vão ser, seguramente, livres, justas e transparentes e o nosso povo vai voltar a demonstrar a sua maturidade cívica, democrática e política.
E se depois das eleições legislativas voltar a haver um bloqueio na ANP? Voltamos a fazer eleições legislativas antecipadas para desbloquear a ANP?
Se a Assembleia Nacional Popular está bloqueada é da responsabilidade dos Deputados desbloqueá-la. Nesta legislatura não há alternativa ao diálogo político!
Meus irmãos,
É chegada a hora de as lideranças político-partidárias revelarem maturidade política e ultrapassarem as miudezas institucionais que estão a empatar a saída desta desnecessária crise.
Perante o estado em que as coisas chegaram, vou optar pela decisão que responsabilize as lideranças partidárias, dando-lhes a soberana oportunidade para provar que colocam os superiores interesses da Nação e do povo acima dos seus interesses pessoais, de grupos ou partidários. Vou optar por uma decisão que obrigue os actores políticos a encontrarem uma solução governativa no quadro parlamentar resultante das últimas eleições legislativas.
Neste contexto, caberá ao partido vencedor das eleições legislativas assumir, primeiramente, a responsabilidade de apresentar uma solução governativa capaz de merecer a confiança política da maioria do Parlamento. Como já disse, nesta legislatura não há alternativa ao diálogo político!
Continuo a acreditar, à semelhança da maioria do povo guineense, que ainda há condições para que, no quadro da configuração parlamentar resultante das últimas eleições legislativas, os Deputados eleitos pelo povo sejam capazes de estabelecer compromissos políticos que permitam criar condições de estabilidade governativa até ao fim da presente legislatura.
Para terminar, lanço um veemente apelo às diferentes estruturas sindicais no sentido de suspenderem as greves em curso no país, tendo em conta o estado de fragilidade e de incapacidade do Governo para assumir compromissos, como forma de demonstrarem um gesto de solidariedade nacional para com o nosso povo.
Como sempre, vou assumir as minhas responsabilidades!
Que Deus abençoe a Guiné-Bissau e o seu povo!
Bissau, 12 de Maio de 2016.
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